segunda-feira, 23 de agosto de 2010

pois não?

Dona Alice desembarcou no Brasil sem saber uma palavra em português. Já tinha em seu repertório o mandarim, língua oficial de Taiwan; o taiwanês, que falava em casa; e o hakkanês, que teve que aprender para se comunicar com os sogros. Nunca, nem nos seus sonhos mais absurdos, achou que um dia fosse aprender português. Cantonês, talvez. Inglês, quem sabe? Mas português?
As primeiras palavras que meu pai, que já havia passado uma temporada de cinco anos no Brasil antes do casamento, lhe ensinou foram "sim", "não" e "obrigada". Com esse kit de sobrevivência de exatos três vocábulos, dona Alice começou a se aventurar pelas ruas da cidade, primeiro tímida, depois intrépida, vendendo roupas de porta em porta.
A estratégia era simples: tocar a campainha e esperar alguém atender. Se a pessoa dissesse "não", meu pai havia ensinado, minha mãe teria que dizer "obrigada" e seguir para a próxima casa, porque a pessoa não estava interessada em comprar.
Ele só não contava com o "Pois não?" com que algumas senhoras atendiam a porta. Dona Alice só entendia o "não" e, diante da negativa, dizia "obrigada" e continuava em frente. Algumas senhoras corriam atrás dela, para completa confusão de minha mãe, que não entendia como elas mudavam de ideia tão rápido. Mas nada disso importava: ela entrava de bom grado nas casas, mostrava as roupas que carregava nas sacolas e se comunicava através de uma folha de papel com duas frases: "Quer comprar roupa?" e "Quanto?". As clientes achavam graça e sempre ofereciam bolo e chá para aquela chinesa de barrigão e maria-chiquinhas. Muitas são amigas até hoje.
Hoje dona Alice domina o português sem problemas e o "Pois não" faz parte de seu repertório de vendas. Assim como o "Posso ajudar? Se precisar de alguma coisa, é só chamar" - só para garantir.

Um comentário:

  1. Lindo! Bela história. Sei que foi na Zona Sul, mas tem um quê de Bom Retiro!
    Spatuzza

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