sexta-feira, 1 de julho de 2011

sábados brasileiros

Minha mãe já estava no Brasil há mais de um ano quando meu pai a levou para provar seu primeiro prato tipicamente brasileiro.
Seu Roberto, que já morava aqui há cinco anos quando casou minha mãe, tinha um paladar absolutamente eclético: experimentava de tudo sem medo e raramente torcia o nariz. Quanto mais exótico, melhor. E se viesse com doses generosas de alho e pimenta, ainda pedia para repetir.
Minha mãe era exatamente o contrário. Não se arriscava em pratos novos. Queijo, só se fosse tofu. A primeira vez que provou um cachorro-quente foi traumática: olhou para o pão com salsicha e preferiu passar fome. Macarronada? Só de pensar na acidez do molho de tomate dona Alice queria sair correndo.
E foram esses opostos gastronômicos que se aventuraram num restaurante brasileiro para comer feijoada, num sábado ensolarado em 1974, em Cidade Dutra. Os dois geralmente levavam marmitas, que comiam sentados sobre as sacolas de roupas que vendiam de porta em porta, à sombra de árvores. Mas naquele dia, seu Roberto prometeu que levaria dona Alice para experimentar um prato típico. Minha mãe mal podia esperar.
Depois do que pareceram horas, a feijoada chegou. Meu pai abriu um sorriso, como se reencontrasse um velho amigo. Minha mãe olhou para a combinação de branco, preto, verde e laranja e perguntou, perplexa: "Mas o que é isso?" Não houve explicação que a convencesse a provar.
Dona Alice hoje dá risada: "Eu morrendo de fome e da cozinha chega aquele prato enorme, com fumaça saindo, um caldo preto, pedaços de coisas que eu não sabia o que eram. Aquilo não tinha como ser bom".
Com o tempo, dona Alice foi se acostumando com a ideia de feijoada. Quando éramos pequenos, havia um bar em nosso quarteirão (que ficava exatamente na frente do poste que servia de pique quando brincávamos de pega-pega), onde tio Rufo e tia Maria serviam feijoadas caprichadas. Meu pai nos mandava lá sábado sim, sábado não, com duas panelas vazias, que vínhamos equilibrando no caminho de volta. Enquanto dona Alice dava provadinhas tímidas, seu Roberto e a criançada se esbaldavam.
Quase quarenta anos depois, hoje minha mãe é uma profunda apreciadora do prato. E como numa ironia do destino, há cinco anos temos ao lado da loja a companhia do Benjamim Botequim, que aos sábados começa a preparar cedinho a feijoada que faz a alegria dos moradores do Campo Belo. O festival de aromas invade o bazar sem dó: alho fritando, feijão no fogo, couve, mandioca, paio, costela, carne seca... Mal chega meio-dia e dona Alice já começa a pensar no almoço.
Nada como uma feijoada após a outra.