segunda-feira, 9 de agosto de 2010

gente da família

Com o passar dos anos, o Campo Belo transformou clientes do bazar da dona Alice em pessoas da família. São relacionamentos que ultrapassaram os limites do balcão e viraram amizades, daquelas de dividir alegrias, tristezas e as coisas corriqueiras da vida. Teresa Barreto é uma delas. Desde que me conheço por gente, essa professora de literatura da USP já era cliente do bazar. Com o tempo, virou amiga e fonte inesgotável de dicas ótimas, desde pedreiros confiáveis a aulas de circo no bairro. Suas dicas são tão boas que minha mãe deu a ela o apelido de Disk-Barreto (ou Disco-Barreto, como diz dona Alice).
Esse ano percebemos como Teresa é parte de nossas vidas. Num sábado de manhã minha mãe acordou muito mal, sem conseguir sair da cama. Suspeitamos se tratar de uma crise de labirintite. Meu irmão colocou minha mãe no carro, tonta e delirante, sem falar coisa com coisa. Lá pelas tantas, já perto do pronto-socorro do hospital São Luiz, dona Alice diz: "Liga pra Barreto. A Barreto vai ajudar a gente".
Querida como só ela, assim que soube do blog, Teresa quis colaborar. Ela foi uma das primeiras a perceber que o bazar da dona Alice era recheado de histórias.

"Freqüento o Bazar Liang desde que me mudei para o Campo Belo, há quase trinta anos. Acompanhei as crianças em cada fase, música, karatê, vestibular. Diz Alice que eu cantei a bola sobre a aprovação de Lilian na USP. Devo ter sabido lá dentro, nem me lembro como. Mas na manhã seguinte, e para minha sorte, lá estava o nome dela nos jornais, aprovadíssima na ECA.
Comecei fazendo uma que outra comprinha, perguntando das crianças, cujos nomes me escapoliam. Usava cabelo liso, reto, com franja. Um dia, Alice perguntou-me se aquilo era peruca. A menininha que mal aparecia detrás do balcão riu amarelo, com vergonha. Respondi que não. A chinesinha não acreditou, queria uma prova. Ofereci-lhe as pontas do cabelo, que ela puxou. Com vontade. Desapareceu com meu ai, e a partir daí ganhei a confiança da família: eu dizia a verdade!
Belo dia, duas senhoras não se decidiam pela compra de um relógio. Será que levo? Ah, você é quem sabe... Mas é tão lindo... É, mas pense bem... E a compra que não atava nem desatava. Eu, ali, só observando. Até que tasquei: Alice, você tem outro relógio igual a esse? É para mamãe. A senhora irresoluta tirou-o do pulso, e passou-o para mim. De pronto, encarnei a justiceira: AB-SO-LU-TA-MEN-TE! As senhoras chegaram antes, e o que é certo, é certo! Preciso do presente só no final do mês, e tenho certeza de que Alice consegue outro, não é? Ela anotou o pedido num caderno universitário. A senhora mandou embrulhar seu novo reloginho. E eu, assim que ambas saíram, fui convidada a fazer algumas participações especiais em dias de muito movimento e excesso de indefinição.
As prosas, a amizade e a camaradagem foram sempre crescendo, mas devagarinho, no ritmo certo. Convites recíprocos sempre foram aceitos, o que sempre me honrou. Ter Alice, Ju e Lili numa homenagem a papai foi uma surpresa e a certeza de uma amizade bonita e sincera. Até porque as meninas me surrupiaram o convite e o aceitaram, na hora.
Já compartilhávamos lágrimas e gargalhadas.
No dia seguinte à morte de papai, fui com mamãe ver os amigos no bazar. Contei o ocorrido. Quando Juliana veio nos cumprimentar, Eugene lhe deu a notícia, em chinês. Entendi cada palavra. Diante da estupefação de Ju, confirmei-lhe o que Fu lhe havia dito. Alice, cheia de sabedoria e delicadeza, ofereceu o emprego de empacotadora a mamãe.
Amo a família Liang!"

A gente te ama também, Teresa!

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