terça-feira, 3 de agosto de 2010

aretha

Depois que meu pai faleceu, em 2004, resolvi comprar uma golden retriever para minha mãe. Já fazia tempo que eu queria um cachorro (uns bons 20 anos) e aquela me parecia a ocasião perfeita. Cães eram terapêuticos, era o que eu tinha lido. Um cãozinho em casa ajudaria nessa nova fase, diziam meus amigos. Era o plano perfeito.
Só não contava com a relutância de dona Alice. Quando anunciei a decisão e comecei a listar todas as razões por que eu era uma gênia, ela me interrompeu: "Não quero saber. Se você aparecer com um cachorro aqui, eu mando você e ele de volta para o canil".
Um pouco intimidada mas não completamente convencida, levei o plano adiante. Junto com Chandra, amiga de infância, fui buscar Aretha em Cotia no aniversário de um mês da morte do meu pai. Ela chegou em casa filhotinha e foi recepcionada por uma família que não sabia nem como catar o cocô da pobrezinha. Sem esforço e antes que qualquer um percebesse, ela já tinha conquistado minha mãe. Eu realmente era uma gênia.
Passado o período de adaptação, dona Alice começou a levar Aretha para a loja, com dó de deixá-la sozinha em casa o dia todo. Obediente, Aretha logo aprendeu que não podia sair na rua. Fica na entrada da loja, recepcionando quem entra. Algumas pessoas têm um pouco de medo porque ela não é exatamente um cachorro pequeno, mas a maioria adora. Muita gente virou cliente porque parou para brincar com ela.
E os visitantes passam o dia todo. Tem o velhinho que mal saía de casa, mas desde que conheceu a Aretha, desce duas vezes por dia do prédio para vê-la. Tem o porteiro que todo dia se despede da Aretha no caminho para casa. Tem a moça bonita que passa dizendo "Gente, que linda!". Tem o seu Luís, vizinho e amigo querido, que passa duas vezes por dia na loja para dar docinhos para ela. Tem a madame que pára no farol com o carro, abre a janela e grita "Aretha!". E, lógico, tem as crianças - as pequenas Luísa e Marina são regulares - que aparecem para deitar e rolar com ela.












Mas mais do que ser um adorável cão numa loja, Aretha cumpre uma insuspeita função: lá no bazar da dona Alice, ela mantém uma atmosfera de cidade de interior.
O Campo Belo, antes um bairro tranquilo e repleto de casas de vovó, passa hoje por um processo de verticalização, com prédios de altíssimo padrão levantados da noite para o dia e gente que não anda mais na rua. Mas naquele pedacinho da Vieira de Morais, em volta da Aretha, as pessoas páram, se cumprimentam, sentam no degrau para afagar o cachorrão e jogar conversa fora. Um bem-vindo descanso para a correria do dia-a-dia.
Essas coisas nunca tinham me passado pela cabeça até outro dia. Era final de tarde, o tempo quente, as pessoas na rua. Quando me dei conta, vi que participava de um encontro inusitado. Enquanto os donos trocavam animadamente as últimas peripécias de seus cães, Aretha, Joy, Nina e Fred dividiam biscoitos coloridos - um delicioso chá da tarde canino.
Um dia como outro qualquer no bazar da dona Alice.

5 comentários:

  1. Que história boa de ler, Lili...

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  2. Adorei Li!! E a Aretha realmente é encantadora!!

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  3. lili, a noa tem me presenteado com essas coisas diariamente. quiça eu tivesse um bazar, mas como devo ser melhor nas letras que com notas de reais, andar com ela pelas ruas de pinheiros resgata uma cidadania afetiva que eu tinha deixado na fazenda e que me esforço pra manter pelos arredores de pinheiros. já fomos (eu e noa) até intimadas a continuar no bairro, pq a presença diária dela nas ruas torna esse lugar melhor, a de aretha seguranmente, faz do campo belo único. beijo grande

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  4. AAAAAAAhhhhh, que delícia!!! Que bom participar de tudo isso! Aretha, Joy, Nina e Fred, todos meus amigos! O máximo!
    Ass: a filha do seu Luís, o do docinho :-)

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  5. nha nha? nha nha? nha nha? tuco tuco? tuco tuuuuuuucooooooo!

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