domingo, 4 de setembro de 2011

aluna exemplar

Sempre que penso que minha mãe tinha apenas 23 anos quando se casou com meu pai, se mudou para o Brasil e começou a batalhar para ganhar a vida, fico espantada. Com a mesma idade eu fiz o caminho inverso, mas com matrícula feita na universidade em Pequim, dormitório reservado, gente para me buscar no aeroporto e grana para viajar - e ainda assim foi difícil.
Dona Alice sempre viajou, mas raramente sozinha. Suas viagens aconteciam geralmente com meu pai, com alguma amiga ou em grandes grupos. A primeira vez que teve que viajar completamente sozinha foi para a minha formatura do mestrado, em Berkeley, na Califórnia. Meu pai não poderia participar, ela viria sozinha. E quando liguei para ela para acertar os detalhes, o que havia em sua voz não era entusiasmo - era preocupação, o que para mim era incompreensível. Aos 23 anos, numa época em que tudo era mais longe, mais demorado e mais complicado, ela havia feito o mais difícil. Como uma simples viagem solo podia ser motivo para tanto medo?
Para tranquilizá-la, disse: "Mãe, o pior que pode acontecer se você se perder é conhecer um lugar novo. E isso nem pode ser considerado ruim, vai". Com esse novo lema na cabeça, ela fez a escala em Nova York direitinho e chegou em San Francisco inteira, sã e salva. Mesmo assim, o medo estava sempre presente quando tinha que viajar sozinha.
Essa preocupação foi completamente resolvida há um mês, quando meu irmão foi deixá-la no aeroporto de Guarulhos para que ela embarcasse para a China. Na conversa durante o caminho para o aeroporto percebeu que o medo de dona Alice era de não saber o que fazer primeiro, de não achar a informação para o próximo passo. Alguém sempre havia orientado para onde ir, o que fazer, que documentos mostrar, em qual portão embarcar. Era hora de ela aprender sozinha.
Chegaram no saguão e dona Alice ficou esperando que ele mostrasse o caminho.
- "E agora, mãe, para onde vamos?"
- "Não sei. Você não sabe?"
- "Mãe, o que a gente tem que fazer agora? Não é o check-in?
- "É."
- "Então, temos que procurar o guichê da companhia aérea. De que companhia você vai?"
- "De Swiss."
- "E onde é o guichê da Swiss?"
- "Não sei."
E a partir desse diálogo, minha mãe teve um curso intensivo sobre o bê-á-bá das viagens: aprendeu onde encontrar o guichê da companhia aérea, como fazer o check-in, onde embarcar, que cartão mostrar, como procurar o portão, como saber se o voo estava no horário.
- "Mãe, o segredo no aeroporto é olhar para cima. As placas e os monitores é que vão te mostrar para onde você tem que ir".
E foi olhando para cima que dona Alice desbravou sozinha o aeroporto de Guarulhos, prestando atenção em tudo, como se nunca tivesse estado lá. Foi olhando para cima que ela embarcou sem maiores incidentes de Hong Kong para a Suíça, e da Suíça para o Brasil. E ao descobrir a independência que vem com saber seu próprio caminho, sucumbiu também à mochila, que por muito tempo relutou em carregar porque não combinava com seu visual. Hoje, ela é adepta da mochila como uma adolescente, porque "é bem mais prático de carregar".
Dona Alice chegou essa semana de sua viagem. Enquanto desfazia suas malas, ia contando suas peripécias e as novidades de seu lado da família. E quando já estava quase no fim da contação de histórias, declarou, radiante, que adorava viajar e que agora estava pronta para desbravar o mundo sozinha.
- "É tão fácil, né? É só olhar para cima e seguir as placas. E se eu me perder, eu conheço um lugar novo!"
Dona Alice é o sonho de qualquer professor.


2 comentários:

  1. Lii!
    Fazia um tempo que eu nao lia o seu blog!
    Amo muito as suas anedotas do cotidiano da Dona Alice.
    Essa em particular eu compartilho tbm: nada como desbravar um novo lugar!

    saudades de ti!
    beijos, nica

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  2. hahahahahahaahhaha... sensacional! Parabens pelo blog Li, estou me divertindo com as historias da Dona Alice.

    Bjus

    Julia (amiga do Eugene - rssss)

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