sexta-feira, 1 de abril de 2011

realocação de recursos

Dona Alice adora crianças. Mais velha de sete irmãos, ela cresceu cercada pela criançada. Quando conheceu meu pai, ganhou de brinde os nove irmãos dele, dos quais oito eram mais novos que ela. Com o tempo, os sobrinhos foram chegando. São 25 ao todo. Minha mãe carregou todos no colo, brincou com todos eles, enchia de presentes e sabe o nome de cada um sem hesitar, apesar de hoje serem todos marmanjos.
No bazar, dona Alice é hit absoluto com a criançada. Ganha beijos, abraços e até bolos de presente dos pequenos. E quando algum cliente anuncia o nascimento de um filho ou neto, minha mãe faz aquela festa, porque para ela não há maior motivo de comemoração do que a chegada de uma criança. Depois, sai discretamente, escolhe algum brinquedo da vitrine, embrulha escondido e coloca na sacola com as outras compras. Na hora que o cliente se despede, dona Alice conta no ouvido: "Deixei uma lembrancinha para seu filho/neto na sacola. Parabéns!" Difícil encontrar algum bebê no Campo Belo que não tenha um presente de dona Alice no baú de brinquedos.
Com essa adoração por crianças, é fácil entender por que minha mãe não se conforma quando alguém diz que não quer ter filhos. Para ela, são os filhos que dão razão à existência. É por eles que se trabalha, é por eles que se aguentam os percalços da vida, é por eles que se acorda todos os dias.
Um dia, uma amiga minha veio ao bazar para uma visita. Casada, 40 e poucos anos, nunca quis ter filhos. Adora os sobrinhos e os enteados, mas nunca quis ter os seus. Seu principal argumento era a conta bancária.
- "Mas dona Alice, é tão caro ter filhos hoje em dia. A criança mal nasce e já tem que ir para a creche. Depois vêm escola, inglês, natação, babá, viagens, festinhas... São muitos gastos!"
Minha mãe, com a lucidez e a paciência que lhe são tão peculiares, explicou por que aquela não era uma desculpa razoável.
- "Olha, eu tive três filhos. Eu e meu marido trabalhávamos muito para sustentar os três. Todos eles estudaram em escola particular, fizeram aulas de piano, natação, tênis, inglês e kumon. Os três usaram aparelho nos dentes e fizeram intercâmbio no exterior."
Minha amiga acenou com a cabeça, como se já tivesse feito os cálculos mentalmente.
- "Mas quando as crianças cresceram, não ficamos mais ricos. As despesas eram bem menores, mas mesmo assim não sobrava muito no final do mês. Para onde foi aquele dinheiro?"
A essa altura, outras pessoas na loja já haviam parado para ouvir a explicação.
- "Deus realocou para outra família, que está criando filhos pequenos e precisa do dinheiro mais que a gente. Eu não preciso mais, meus filhos estão crescidos, então Deus dá para outra família."
E com isso, dona Alice concluiu seu caso.
Minha amiga pode até não querer filhos. Mas para convencer dona Alice, vai ter que arranjar outra desculpa.

2 comentários:

  1. emocionante!!!!!tenho tres filhos !!!!!!que so dao despesas , mas dao alegria em dobro!!

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  2. Também tenho 03 filhas e cada uma que nascia Deus providênciava o necessário para que não faltasse nada,nada.Sábia Dna alice.

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