sexta-feira, 8 de abril de 2011

bênção

Meu pai foi o primeiro e único namorado de minha mãe. Ela o conheceu quando tinha 18 anos e, depois de cinco anos separados, enquanto meu pai tentava a vida do outro lado do mundo, deu um ultimato ao rapaz: ou ele voltava para Taiwan, eles se casavam e iam juntos para o Brasil ou eles se separavam e cada um ia para seu lado.
Meu pai, que nunca foi bobo, largou tudo e voltou para Taiwan para casar com minha mãe. Vieram juntos para o Brasil em 1973 e fizeram daqui sua casa.
Depois de 31 anos casados e uma vida inteira juntos, meu pai faleceu em novembro de 2004. De repente, dona Alice se viu sozinha, num país que não era o seu, sem família por perto. Ela, que nunca tinha tido medo de nada, de repente se viu com medo de tudo: do escuro, do silêncio, do presente, do futuro e, principalmente, da solidão.
Dona Alice tinha apenas 54 anos quando ficou viúva. Jovem e bonita, ela tinha tudo para voltar ao circuito. Nós mesmos nos perguntávamos se, passados alguns anos, minha mãe não deveria arrumar um namorado - não alguém que substituísse meu pai, mas alguém para dividir a vida com ela.
Minha mãe nem cogitava o assunto. Na cultura chinesa, quando a mulher se casa, ela passa a pertencer à família do marido. Não é só uma questão de sobrenome, mas de prioridades e funções. Dona Alice era casada com o filho mais velho dos meus avós, com uma função muito clara na hierarquia familiar. Suas responsabilidades como nora e cunhada mais velha continuariam, mesmo que meu pai não estivesse mais aqui. Era o que se esperava dela, era o que ela entendia ser seu papel. Para dona Alice, se envolver com outra pessoa seria uma traição. Quase como pedir para trocar de pai e mãe.
Um dia, não muito depois do falecimento de meu pai, minha avó chamou minha mãe num canto. Minha avó, que havia segurado bravamente as lágrimas ao ver meu pai debilitado na cama do hospital. Minha avó, que só foi comunicada da morte de seu filho uma semana depois do enterro, porque temiam que ela não resistisse à notícia. Minha avó, que tinha verdadeira adoração pelo seu primogênito. Essa avó sentou com minha mãe e disse baixinho, com sua sabedoria anciã:
- "Você ainda é jovem, vai viver muito tempo. A vida sozinha é muito triste. É importante ter alguém para dividir o futuro, para fazer companhia. Se você quiser casar de novo, pode se casar. Não importa o que digam. Você pode casar."
Dona Alice apertou as mãos enrugadas de minha avó entre as suas e abriu um sorriso de gratidão. Não porque tivesse considerado a possibilidade ou porque quisesse se casar de novo, mas pela generosidade de minha avó. Naquela tarde, só elas duas em casa, minha avó deixou claro que a felicidade de minha mãe era mais importante que os protocolos. E saber disso era um alívio.

3 comentários:

  1. Lilian: Que historia... Daria um filme de Ang Lee !!!! Melhor que 4 casamentos e um funeral !!!!!

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  2. Lilian: E qual o fim da historia ? a sua mãe encontrou um novo amor?

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  3. Pamela Michelson-Boschaner10 de abril de 2011 às 22:17

    Um lindo gesto de amor e liberdade. Não importa qual caminho vamos escolher mas temos que estar livres para escolhe-lo.

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