segunda-feira, 6 de setembro de 2010

parque de diversões

O bazar da dona Alice foi um lugar ótimo para se passar a infância. Foi detrás dos balcões que eu e meus irmãos entendemos, ainda muito cedo, a importância do trabalho, o conceito de responsabilidade e o valor do dinheiro.
Ainda pequenos, aprendemos a atender clientes, fazer pacotes e dar o troco (fazíamos as contas de cabeça. A calculadora só era permitida para conferência). Sabíamos a diferença entre as cargas para caneta esferográfica e rollerball, entre os joguinhos Donkey Kong 1 e 2 e entre os perfumes Azzaro e Paco Rabanne. Sabíamos fazer a conversão de valores de dólar para cruzeiro, cruzado e outras inúmeras moedas que vieram depois. Sabíamos que era importantíssimo pedir o RG quando recebíamos cheques de desconhecidos e dávamos bronca nas crianças que bagunçavam as vitrines.
Mas tudo isso acontecia quando a loja estava aberta.
Com as portas de ferro abaixadas, o bazar da dona Alice se transformava em nosso parque de diversões particular. Ficávamos encantados com os brinquedos à venda: Falcon, Suzy, Aquaplay, Playmobil, Pula Pirata, pião luminoso, cubo mágico, geleca, Comandos em Ação... eram tantos!
Mas o mais divertido eram as brincadeiras que aconteciam dentro do bazar. "Gato Mia" - uma espécie de esconde-esconde no escuro - dentro das vitrines era um hit entre as crianças que iam nos visitar. Perdi a conta de quantas vezes passamos da hora de dormir jogando "Stop" até tarde da noite, apoiados nos balcões, escrevendo no verso de folhas de papel de presente. Na loja pulávamos corda, jogávamos cartas (pif-paf e batata-maçã eram os preferidos), desenhávamos, jogávamos bola, fazíamos grandes competições. Estávamos sempre cercados de crianças, a casa cheia de risadas. Com o bazar, quem precisava de um playground?






Quando tinha 10 anos, fui matriculada no colégio Porto Seguro, conhecido por sua rigidez alemã e pelos alunos abastados. Um dia, fui convidada para uma festa de aniversário em Alphaville, na época em que Alphaville só tinha mansões enormes e gente muito rica. Para minha surpresa, a casa da minha coleguinha tinha piscina com cachoeira e elevador. Eu olhava para tudo como se tivesse chegado em outro país. Não entendia como aquilo podia existir na vida real.
Quando cheguei em casa à noite, lembro-me claramente, achei tudo sem graça, sem brilho, sem valor. Minha mãe já estava de pijama, a luz branca iluminando a cozinha diminuta. Perguntei a minha mãe por que nós não vivíamos como eles. Por que eles tinham uma casa tão grande com piscina e nós brincávamos dentro da loja?
Minha mãe suspirou e me explicou, com uma paciência que hoje eu sei apreciar, que nós tínhamos o que podíamos ter. "Papai e mamãe trabalham bastante, Li, para poder pagar uma boa escola para vocês. Talvez um dia a gente tenha uma casa com piscina. Talvez não. Mas agora é o que conseguimos ter."
A explicação me bastou. Entendi que, com o bazar, minha mãe nos dava mais que um playground: nos dava uma infância de aprendizado. Nunca mais toquei no assunto e, junto com meus irmãos, ainda passei muitos anos brincando no bazar da dona Alice.

4 comentários:

  1. amei, Lili!!você sempre tão sensível. consegui enxergar voce na loja ;) e, cara, que inveja da tua infância no bazar da dona Alice. quando eu era criança meu sonho era ficar presa numa loja de brinquedo à noite pra poder brincar a madrugada toda. tipo uma boemia lúdica, saca? beijo! e saudade

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  2. Lilian, nunca tinha pensado nisso, que a loja fechava e vcs pudessem brincar lá. Acabei de morrer de inveja disso! Não tem piscina da casa de amigos ricos na infância que supere o mundo de diversões do Bazar da Dona Alice. Amo suas histórias. Beijos

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  3. Animaaaaal! Eu devia ter montado o Benja há 30 anos para também participar! Putz, "Falcon, Suzy, Aquaplay, Playmobil, Pula Pirata, pião luminoso, cubo mágico, geleca, Comandos em Ação"!!! Que delíííícia!
    Minha infância em Morungaba também vale mais do que qualquer dinheiro!
    Vamos marcar qualquer dia de fazer um campeonato de stop?

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