segunda-feira, 13 de setembro de 2010

bazar do seu roberto

O nome que meu pai adotou quando chegou ao Brasil, em 1968, foi Roberto. Como Alice, ninguém sabe exatamente de onde surgiu Roberto, mas fato é que o nome pegou.
Seu Roberto era um homem bonachão, de riso aberto e que tinha uma extrema facilidade de fazer amigos. Conhecia todo mundo no Campo Belo e podia ser visto nas padarias e botecos do bairro, pagando cafés, cervejas e petiscos para conhecidos que encontrava na rua, fossem eles frentistas, taxistas, empresários ou advogados. Usava calça social com tênis (em dias de muita inspiração, usava meias verdes), carregava para onde fosse uma sacola da marca Tiger e quando chovia, colocava um boné.
Meu pai nunca teve muito tino para negócios. Quando trouxe minha mãe para o Brasil, em 1973, estava atolado em dívidas, contraídas num período de cinco anos. Não era bom com dinheiro. Foi dona Alice quem colocou ordem nas finanças do casal e seria ela quem depois sustentaria a família de cinco com o bazar Liang.
Embora dentro de casa seu Roberto fosse um homem severo, autoritário e de poucas palavras, fora de casa sua persona social o transformava num sujeito afável, ótimo contador de histórias e piadas. Vivia cercado de amigos, era sempre ao redor dele que a roda se formava nos jantares e festas. Era generoso também. Emprestou dinheiro a um sem-número de pessoas. Deu dinheiro a várias outras, que ainda hoje, seis anos depois de sua morte, lembram dele com carinho e gratidão.
No bazar, seu Roberto ajudava mais com entretenimento do que com vendas propriamente. Para ele, a loja era uma grande sala de estar. Agradava os clientes, batia papo em português carregado. Era mestre em elogiar as senhoras, que caíam de amores por ele. Gostava de gente. Atrás do balcão, era uma negação. Não sabia o que havia nas vitrines, seu vocabulário limitado impedia que ele explicasse como funcionavam os produtos. Seus descontos eram generosos, para alegria de clientes e desespero absoluto de minha mãe.
Com o tempo, meu pai assumiu outras funções na dinâmica familiar. E nesse sentido, ele foi um pioneiro: enquanto minha mãe tocava a loja, ele cumpria funções administrativas e domésticas. Era ele quem fazia compras para o bazar e ia ao banco para depositar o faturamento do dia. Era ele quem nos buscava na escola e nos choferava para atividades extra-curriculares. Era ele quem fazia feira e supermercado, quem sabia as marcas de Danone que gostávamos, a quantidade de óleo necessária para passarmos o mês, qual era a época de jabuticabas e mixiricas. Meu pai era o que hoje se chama de "pai moderno", com o detalhe de que na época o conceito de "pai moderno" não existia.
O dia estava lindo, de céu azul sem nuvens, quando seu Roberto faleceu em 2004. Ele escolheu o dia de Finados para ir embora. Partiu em grande estilo, do jeito que teria escolhido se soubesse que iria tão cedo, se tivesse tido tempo para preparar: funeral lotado, cemitério movimentado e cheio de flores, clima de festa. Meu pai era esperto mesmo.

4 comentários:

  1. Grande homenagem !!! Parabéns. Escrever não é para qualquer um mesmo.

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  2. Lindo texto e bela descrição. Todos temos algo de bom para deixar na lembrança de quem conviveu conosco. Realmente…vc a cada dia, se parece mais com ele. Que bom ! bj

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  3. Como sempre , seus textos me fascinam!! Delicioso, dá vontade de que não acabe....
    Parabéns a você e saudades do seu pai, que era mesmo esta pessoa sorridente e simpática. Bjus...

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