sexta-feira, 8 de junho de 2012

originalidade

Os Natais das crianças Liang nunca foram muito parecidos com os que víamos na TV. Árvore de Natal começamos a ter só depois de grandes - com todas as mercadorias, nossa casa, que ficava nos fundos da loja, não tinha espaço para mais nada. Os presentes eram escolhidos do bazar mesmo, na manhã do dia 25, quando algum brinquedo legal ficava nas prateleiras. Papai Noel dizendo Ho-ho-ho era praticamente uma lenda urbana.
Quando era pequena, a falta de clima de Natal em casa me incomodava. Via os clientes num frenesi de compras, escolhendo uma infinidade de presentes para seus filhos - brinquedos que nós, crianças, ajudávamos a escolher e empacotar - e pensava: "Puxa, eu também queria um Natal assim...". Lembro-me de uma véspera de Natal que passei chorando. Devia ter uns sete anos. Depois que as lágrimas secaram, resolvi que não adiantaria nada ficar sentada na cama me lamentando. Tinha que partir para a ação. Maquinei um plano mirabolante para fugir de casa e encontrar uma família que me proporcionaria um Natal como aqueles que eu via nas propagandas de supermercado. Quando já tinha tudo planejado em detalhes na minha cabeça, meu plano desmoronou diante do obstáculo supremo: e se tivesse uma barata na loja?
Acabei desistindo e caí no sono. O Natal passou e a vida seguiu.
Hoje, tantos anos depois, já desenvolvemos as nossas próprias tradições natalinas, que embora em nada lembrem os anúncios da TV, representam a nossa comemoração e o nosso espírito de gratidão por mais um ano que se vai. A troca de presentes nunca foi grande parte disso.
Mas dona Alice sempre surpreende. Ano passado, depois de um dezembro conturbado, com viagem inesperada a Taiwan por causa de minha avó e o cansaço típico da última semana pré-Natal, minha mãe interrompeu nosso jantar de Natal para me dar um pacotinho, embrulhado no papel de presente do bazar.
- "O que é isso, mãe?" - disse, entre uma garfada e outra de bacalhau.
- "Abre, filha! É o seu presente de Natal!"
Quando abri, era uma caixinha de madeira que eu havia trazido para ela de Moçambique. Olhei para ela confusa. Ela estava me dando um presente que eu havia dado a ela? Dentro, um bilhetinho. E nele, meu presente de Natal.



"Querida filha: Feliz natal. Vale de uma (bolsa de couro) para você. Presente de natal. Mamãe te amo muito. Liang Yi Mei"

Dona Alice vivia reclamando que eu andava sempre com a mesma bolsa surrada. O vale-bolsa foi a forma mais prática que encontrou de me presentear. Com uma boa dose de criatividade e bom humor, minha mãe arrancou de mim um sorriso que não conseguiria com nenhum outro presente.
Ela bem que tentou me arrastar até o shopping para trocarmos o vale-presente. Fomos algumas vezes, mas não consegui achar nada. Nenhuma das bolsas me parecia tão bonita quanto aquele bilhetinho que havia recebido. Acabei ficando com minha velha bolsa (em atividade até hoje) e guardei o vale com carinho na minha caixa de cartas.

3 comentários:

  1. Lindo. Em forma, ritmo, escolha das vírgulas e das palavras, não há nenhuma interferência de estilos alheios: seu conto é você. É como se eu tivesse acabado de tocar um vale bate papo com a Lili. Ô coisa boa!

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