domingo, 19 de dezembro de 2010

dezembro(s)

Dezembro é um mês memorável para toda uma geração de adolescentes do Campo Belo. Com o frenesi de Natal, a única balconista que minha mãe mantinha o ano todo não dava conta do movimento e era preciso contratar uma legião de ajudantes - adolescentes em férias, a maioria do bairro, que queriam complementar a mesada com um dinheirinho extra no final do ano.
O trabalho não era fácil: atendíamos clientes, colocávamos preços em mercadorias, arrumávamos as vitrines. Aprendia-se por observação, porque na correria não dava tempo de ensinar nada a ninguém. A circulação era difícil, porque tínhamos que desviar de caixas, pacotes, sacolas, etiquetas, rolos de papel de presente. Só parávamos para almoçar e tomar lanche. Quando a correria acalmava um pouco, descansávamos lá dentro, cada um com uma tesoura, sentados nos degraus, enrolando fitinhas para colocar nos presentes. As horas passavam voando. No final do dia, a garotada mal se aguentava em pé, o cansaço estampado nas camisetas sujas e nos pés inchados.
Mas apesar da rotina puxada, eram 24 dias de muita diversão também. Passávamos horas testando brinquedos, experimentando perfumes, desvendando o funcionamento de relógios e jogos eletrônicos, dando risada de cada descoberta e cada erro. Todos os dias alguém aparecia com uma piada nova, com alguma história engraçada, com algum episódio inusitado com clientes. Meu pai, sempre bom anfitrião e adepto da filosofia de que "Saco vazio não para em pé", tratava a garotada a pão-de-ló. Até hoje ele é lembrado por isso. Quanto mais perto do Natal, melhores ficavam as refeições. Na véspera do Natal, a tradição do almoço era um pernil gigante, preparado pela dona Celme, que dava para alimentar uma tropa de 50 marmanjos.
Dona Alice tem ótimas lembranças desses 34 dezembros que passou atrás dos balcões. A loja sempre cheia e abafada, a energia da criançada que viu crescer e o clima de festa tornavam o cansaço de se administrar o bazar no Natal - trabalho que às vezes ia madrugada adentro - muito mais divertido. Na hora que os ajudantes iam embora, minha mãe sempre recomendava: "Descanse bastante, porque ainda temos xx dias até o Natal!"
Na tarde do dia 24, o bazar Liang parecia palco de uma batalha vencida. As vitrines vazias, todo mundo exausto. Era hora de trocar presentes do amigo secreto - sempre de chocolate - e dar a dona Alice as flores compradas às escondidas, com um cartãozinho assinado por todos os ajudantes daquele ano. Minha mãe tem todos os cartões guardados até hoje.
Passado tanto tempo desde os primeiros Natais, os ajudantes ainda fazem parte da vida do Bazar Liang. A maioria casou, alguns já tiveram filhos, outros mudaram de país, mas quando dá, passam pelo bazar para dar um beijo em dona Alice e relembrar histórias de dezembros passados: William, Ana Cristina e Verônica; Andrea e Margareth; Li Tumtum e Li Chuan; Cristiane e Daniela; Adriana e Marcelo; Aline; Tica; Karina; e, lógico, nossa querida e sempre presente Cema.
A todos vocês, nosso muito obrigada. Vocês ainda fazem os Natais no bazar Liang muito mais felizes.

2 comentários:

  1. que lindo, Lili :) tenho muita vontade de conhecer sua mãe! beijo
    za

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  2. Eu já agradeci pelo facebook, mas queria registrar aqui também.

    Muito obrigada mesmo Li! Todos vocês foram e ainda são muito especiais pra mim.

    Um beijão e um ótimo Ano Novo para todos.

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