Loja arrumadinha? Nem pensar. Cliente gosta mesmo é de loja bagunçada, onde se sente mais à vontade para fazer compras sem medo de desorganizar a vitrine.
Prateleiras minimalistas como as de shopping, com um exemplar de cada produto? Jamais. Cliente quer ver variedade, cores, tamanhos, tudo diferente. Cliente gosta de saber que a loja está bem abastecida.
Balcões desimpedidos, sem nada em cima? Não pode. Balcão tem que ter coisa em cima, mesmo que o cliente tenha que mover a pilha de echarpes para ver as carteiras na vitrine. É como se fossem os chicletes perto do caixa do supermercado.
Não conseguimos encontrar comprovação científica para as teorias de minha mãe, mas a verdade é que elas funcionam. Quando a loja está muito parada, por exemplo, ela dispara: "Vamos fazer bagunça". Coloca as balconistas para mudar os produtos de lugar, reorganizar as vitrines, e em pouco tempo o bazar está cheio. Nunca falha.
Graças às suas sacadas, o bazar da dona Alice continua sendo referência no Campo Belo e, do jeito que as coisas vão, em breve será o único remanescente no bairro. Só esse ano dois bazares na rua já fecharam. Numa época em que as compras se concentram em shopping centers, dona Alice consegue manter seu bazar funcionando a pleno vapor.
Em 2005, pouco depois da morte de meu pai, minha mãe teve a ideia de montar um negócio de importação de pantufas. Recém-saída da FGV, minha irmã, que nunca havia se encaixado no mundo corporativo mas que sempre havia gostado de comércio, se juntou a ela. Nenhuma das duas sabia nada de comércio exterior, mas se atiraram de cabeça na empreitada. Erraram daqui, acertaram de lá e com o tempo aprenderam a conduzir o negócio. Dona Alice nunca havia trabalhado com calçados, muito menos com moda, mas seus palpites eram sempre certeiros.
- "Essa cor não vende."
- "Esse modelo de cano alto é muito difícil de calçar. Não vai ter saída."
- "Essa estampa vai fazer sucesso, mas não nessa cor."
Já se vão quase dez anos e as pantufas vão muito bem, obrigada. É minha irmã quem administra o dia a dia da empresa, mas para as grandes decisões sempre pede a opinião de minha mãe. Dona Alice nunca erra.
No ano passado, foi minha vez de me aventurar pelas águas do empreendedorismo. Montei uma editora voltada para publicações médicas - acho que não sei fazer outra coisa -, mas não demorou muito para que eu me desse conta de que revistas eram bem diferentes de pantufas: o público, o período de maturação do produto, o posicionamento no mercado, a logística envolvida. Minha experiência se limitava às questões editoriais. Eu sabia criar uma revista do zero, mas não fazia ideia de como viabilizar uma empresa.
Com a experiência de décadas à frente do bazar, dona Alice me aconselhou como pôde:
- "Faça um valor mais baixo de anúncio para a empresa anunciar a primeira vez."
- "Tente trazer as empresas grandes, assim as pequenas vão querer anunciar também."
Nada funcionou. A revista era um sucesso entre os leitores, mas a editora continuava no vermelho, impávida. Eu, que havia lançado a publicação cheia de esperança e grandes planos, me vi num beco sem saída. Por melhor que fosse a ideia, não fazia sentido continuar investindo se ela só desse prejuízo. Os dias passavam e eu me via cada vez mais decidida a fechar a revista. Tem horas em que é preciso admitir a derrota.
E eis que, no auge do meu desespero, recebo um email de dona Alice:
querida filha;
tudo bem? vi võce trabalha muito ,e nao tem como te ajudar ,desculpe˜me,
como nao é comercio normal, tipo pantufa ,,tipo roupa , tipo perfume ..entao
só võce mesma tem que enfrentar ;mas eu acredida que lago võce vai ter bom resutado ,
comercio tem um secreto ;;nao tem nada que nao consequir vender ..só nao consequer vender
É PREÇO,,,,
pregio de 1000 netro de aldura ,começo pelo chaõ.,,grande MAR ,água vem de monte de riachos pequeno,.......
filha ,,nao se desepeciona ,vai em frente ,lenbra se ;quato võces eram pequena ,caminho que
ira para GUARUJA ,tinha que passar por monte de TUNHO ESCURO ,depois de tudos tunhos passou ,apareceu na frente É SOL BRILHNTE ,MARAVILHOSA DA ONDA DANÇANDO NO MAR.,, PRAI SEM FIM DE AREIA BRANCA ,,,,... filha só passar essa tumho .futuro de revista marvimhosa estar na frente .
mamae e seus irnaos apoiamos võce ,em tudo momento ,
te amo muito muito .
um beijo
mamae
Dona Alice não conhece o mercado editorial, mas me deu algo melhor que qualquer dica de negócio: me deu coragem para seguir em frente. A revista acaba de completar um ano e aos poucos vamos saindo da zona de perigo. Os túneis vão ficando para trás e já começo a ver uma pontinha de mar lá longe.