domingo, 22 de maio de 2011

comida chinesa

Moradora do Campo Belo há 35 anos, dona Alice conhece todo mundo que mora ou passa por aqui, inclusive os carroceiros, que sempre encontram pilhas de papelão para reciclagem no bazar. Quando minha mãe resolve fazer a limpeza nos armários, às caixas de papelão somam-se sacolas e sacolas de roupas e sapatos.
Há alguns anos, Dona Alice conheceu Rafael, um menino que passava diariamente pela loja com os pais, carroceiros e invariavelmente negligentes e alcoolizados. Enquanto o casal se revezava para puxar a carroça, Rafael ficava responsável pelos irmãos menores, que acompanhavam as andanças da família pelas ruas de São Paulo em cima de caixas de papelão e outros objetos que encontravam pelo caminho.
Uma tarde, Rafael parou na loja e pediu um lanche. Com dó, minha mãe foi até a cozinha e encheu uma panela de comida. Chinesa. Que Rafael levou para casa, provou e concluiu que estava estragada.
No dia seguinte, o adolescente apareceu na loja xingando dona Alice, acusando-a de querer matar sua família. Minha mãe tentou explicar, mas não adiantou. Ele tinha certeza de que aquele gosto que não conhecia vinha de alguma comida que havia feito aniversário na geladeira e que minha mãe havia repassado a ele.
Daquele dia em diante, Rafael, que crescia a olhos vistos e emagrecia com a mesma evidência por causa do crack, parava todos os dias na frente da loja e ameaçava dona Alice. Gritava da rua, para quem quisesse ouvir, que a chinesa da loja havia tentado matá-lo. Minha mãe, depois de algumas tentativas de explicar o ocorrido, passou a ignorar a gritaria. Até que ele se cansava e ia embora. Depois de algum tempo, não vimos mais Rafael. Soubemos depois por vizinhos que ele havia sido preso por uma série de roubos no Campo Belo.
Mesmo depois desse episódio, dona Alice continuou ajudando os carroceiros. Mas agora, só com papelão.

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